quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Série Lendas e Mitos Paresí-Haliti – O Mito de Criação

Imagem da Ponte de Pedra/Local mítico de origem dos Paresí-Haliti
Fotografia de 1922 - Arquivo do Museu do Índio/Rio de Janeiro-RJ

Existem várias versões do mito de origem dos índios Paresí-Haliti, a maioria possui relação direta com o cristianismo e o processo de aculturação sofrido por esta etnia ao longo dos anos.
Após uma extensa pesquisa utilizando várias fontes de informação encontrei a versão que, na minha opinião, é mais ampla e melhor condiz com a realidade deste povo que habita a vastidão do Chapadão do Parecis.

Mito de Criação
"Antigamente não existia ninguém, só Enoré, que tinha uma filha e um filho. Quando seus filhos foram buscar água para ele, escutaram um barulho e a terra estremeceu.

Eram os Paresí-Haliti querendo sair de dentro de uma rocha nas proximidades de uma ponte natural de pedra, localizada no Rio Sucuruína.

O primeiro Paresí estava ali, dançando com as flautas sagradas, até que um pequeno pássaro voou para fora da pedra por uma fenda, retornando mais tarde para dizer aos outros como era bonito lá fora.

Então Wazáre, o herói mítico, persuadiu vários pássaros e animais para que aumentassem a fenda para que todos pudessem sair. Um grupo de irmãos saiu do interior da terra por uma abertura na rocha, transportando-se do mundo subterrâneo onde vivia para outro, situado acima, que viria a constituir-se no mundo Haliti.

Esses irmãos contribuíram, de formas diversas, para a conformação desse mundo. Eram eles: Wazáre, Kamazo, Zakálo, Zalóya, Zaolore, Kóno, Tahóe, Kamaihiye.

O primeiro a sair foi Wazáre, o mais velho dos irmãos, que orientou a saída dos mais novos e cuidou de sua instalação em diversos locais do novo mundo que descortinavam.

O mito revela que esse mundo existia antes de Wazáre chegar, mas que foi por seu intermédio que pode ser apreendido cognitivamente e, portanto, habitado pelos Halíti. As cabeceiras, os rios, os pássaros, as árvores e as flores estavam lá, mas foi Wazáre quem as denominou.

Quando saíram da pedra, os irmãos tinham uma aparência singular: eram peludos, possuíam rabos, tinham dentes compridos e membranas entre os dedos das mãos e dos pés sugerindo que estivessem em um estado “quase humano”.

Acontecimentos diversos ocorreram para a transformação da aparência dos irmãos, num processo gradativo que contou com o auxílio de seres do mundo animal (cutia, mutuca e formiga), que moldaram os corpos dos ancestrais para que atingissem a forma Halíti. Mas havia um homem, chamado Kuytihoré, que não arrancou todos os seus pelos corporais. Este homem era rico: tinha gado, cavalos e ferramentas de aço, que ofereceu para compartilhar com Wazáre.

Ele deixou Wazáre zangado, e este disse: “eu não quero gado, porque eles vão sujar o espaço em frente às casas dos meus filhos. Não quero ferramentas porque elas são envenenadas e vão matar meus filhos. Vocês vão para o outro lado da ponte de pedra, e não se misturem com os Paresí”. Kuytihoré foi para longe e ficou com os brancos e teve muitos filhos.

Ao final do processo de transformação, os irmãos saídos da pedra se tornaram aptos a manter relações sexuais e procriar. Wazáre e seus irmãos encontraram as filhas do rei das árvores (Atyáhiso) e com elas se casaram.

Essas, por sua vez, também não se encontravam completas, isto é, seus corpos não estavam prontos para copular e conceber. O processo de “humanização” das mulheres se fez através dos maridos, que detinham os instrumentos necessários para torná-las “halóti” (ser humano do sexo feminino).

Utilizando-se de um dente de paca, os homens modelaram a vagina das mulheres, tornando-se seus criadores. As mulheres também participaram da “humanização” dos seres míticos, uma vez que foram elas que ordenaram às mutucas que modificassem o órgão sexual masculino, de forma a adequá-lo ao tamanho de suas vaginas.

Os frutos destas uniões foram os halíti Kozárini (filhos de Kamázo), os Kazíniti (filhos de Záolore), os Warére (filhos de Kóno), os Káwali (filhos de Tahóe) e os Wáimare (filhos de Zákalo e Zalóya). Wazáre não gerou filhos e Kamaihíye também não deixou descendentes; os Wáimare são filhos de dois irmãos que mantiveram relações sexuais com a mesma mulher.

Os Kozárini, Kazíniti, Wáimare, Káwali e Warére nasceram “completamente humanos”, o que está claramente expresso na noção de Haliti (gente – gênero humano), que é aplicada para a totalidade de seus descendentes. Wazáre destinou a cada irmão um território determinado, dando surgimento a grupos sociais específicos".

Da Série Lendas e Mitos Paresí-Haliti
É Cultura? Tá no Ponto!

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