terça-feira, 3 de maio de 2011

Os passos sem Pina


Por Carlinhos Santos

A coreógrafa alemã Pina Bausch costumava desafiar seus bailarinos com perguntas. As respostas determinavam a criação dos movimentos que, depois, viraram espetáculos referenciais para a dança contemporânea mundial. Desde a morte da criadora, em junho de 2009, aos 68 anos, uma pergunta inquieta a formação: para onde ir sem Pina?

Dominique Mercy, coreógrafo alemão que assumiu a direção artística da companhia ao lado de Robert Sturm, silenciou por dois, quase três minutos, ao tentar responder à indagação, feita semana a passada, antes das apresentações finais no Brasil de "Ten Chi" (Céu e Terra), realizadas sábado e domingo, em Porto Alegre, depois das temporadas no Rio de Janeiro e São Paulo.

“Pode parecer estranho, engraçado, mas penso que Pina está sempre aqui. Continuar sem ela é estranho, repito. Ela não está aqui, mas ela nos deu muitas informações para sermos capazes de continuar com o melhor de cada um. O que temos que fazer é continuar mostrando aquilo que ela criou. É um dever nosso, diante do tesouro que ela deixou”, disse Mercy, de forma pausada, emocionada.


Mercy parecia não saber exatamente o que responder. A afirmação de que, por ora, o Tanztheater Wuppertal segue apresentando a obra de Pina deixa uma fresta para entendermos que, provavelmente, a companhia sediada na cidade de Wuppertal, na Alemanha, se manterá sob a memória das criações de Pina Bausch, que tratou de carregar a cena coreográfica contemporânea com imagens antológicas, chuvas de flores, palcos inundados de água e poesia, movimentos impactantes, arrebatamentos.

“Ela tinha uma sistemática de trabalho rigorosa, sempre pedia que cada bailarino fizesse assistência de suas montagens, observasse tudo, anotasse tudo, então temos todas as referências de todas as coreografias”, explicou Mercy.

Diante do impacto da ausência de Pina no cotidiano da companhia, a questão é, outra vez, como persistir?

“Eu não sei, para cada um dos que estão na companhia chega a ser meio óbvio. Esse legado, este repertório, tem que continuar sendo exibido. São mais de 30 produções”, ponderou Mercy.


Para afirmar que o Tanztheater Wuppertal segue na ativa, Mercy deu como exemplo o agendamento da apresentação de 10 dos espetáculos criados a partir diferentes lugares do mundo, como o Brasil (Água) e mesmo o Japão (Ten Chi), nas Olimpíadas de 2012, em Londres.

Tudo o que o bailarino e coreógrafo afirmam sobre os caminhos da companhia é a partir do que já foi feito. Mas, a questão se impõe: o que fazer sem a presença de Pina, sua força criativa? Criar novos trabalhos, como e quando?

“Esta é uma grande questão. É muito cedo para dar esta resposta. O fato é que temos que fazer este repertório e fazê-lo bem. Toma tempo e o fato de sermos requisitados tanto quanto antes, nos impõe esta continuidade. Sabemos que vai chegar um momento que deveremos tomar uma decisão. Será um desenvolvimento natural das coisas. Mas é difícil precisar hoje quando e como esta mudança poderá acontecer”.

Na memória de todos os integrantes da formação estão as nuances da engenhosidade criativa de Pina Bausch, sempre atenta ao entorno e às ações banais, que podiam virar material de trabalho.


“Quando estivemos em Salvador, no processo de pesquisa para "Água", num determinado encontro social, Pina observou uma moça vistosa, que jogava o cabelo de um lado para o outro o tempo todo. Isso entrou no trabalho, numa sequência em que as bailarinas estão sentadas no sofá e batem o cabelo como a tal moça fazia”, lembra Mercy, acrescentando: “A Pina queria ver as coisas boas e não o lado clichê ou turístico. Ela dizia ‘porque falar das coisas ruins’. Isto fez com "Água", que foi uma coreografia bem-humorada falando sobre o Brasil, sobre Salvador”.

O Brasil está na memória afetiva da companhia, como afirma Dominique:

“A gente sempre quer ir para Salvador, para Bahia (risos). Pina sempre dizia isso (risos). É sempre fantástico estar no Brasil. Temos um grande público aqui e as reações dele é sempre emocionada. Temos uma relação muito quente, calorosa, com o Brasil”.

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